quarta-feira, 30 de março de 2011

O dia da vertigem


No dia da vertigem, tudo é vago e incompleto. O peso se dá ao que não é perfeito. O dia permanece rude, como as palavras de um poema revolto, e frívolo, acabando por nutrir-se do que é ordinário, sem sentido, sem valor. Nesse dia, não tenho medo de cair, pois já me vejo numa cova delineada, onde projeto gritos cinza. No mesmo instante, encontro-me numa nuvem obscura com os olhos fixos no raso. Medo de cair? Não acho que seja. A vertigem não é o receio da queda. Vertigem é a voz de um vazio em baixo de mim, dentro de mim, que me atrai e me envolve, fazendo com deseje a queda, por já achar-me em contínua decadência. 

Nesse dia, sou vulto. Um vulto que procura, sem encontrar, a chama onde queimar sua incerteza. Porque a vertigem presume a dúvida: Cair na tentativa insana de me libertar no voo, esvaziando-me de mim, mas locupletando-me de perda, ou permanecer no abismo de pensamentos naufragados, que imploram escuridão e delíquio?  

O dia da vertigem demora a passar, as horas são dias. A noite não chega, e quando chega traz chuva e ventania. Deito-me com um coração comprimido, pequeno, aflito, como de um vulto superficial, frio e amargo.

Ao final, depois de tanta luta e tanto frio, vai fugindo o medo e surgindo a vontade. Acordo com a razão e a constância retomando o comando. Tímidas, aos poucos vão limpando a tempestade do ontem.


Marília Funchal