CAPÍTULO
1.4 DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO INTITULADO “A MEDIAÇÃO NA PREVENÇÃO E
GESTÃO DE CONFLITOS DECORRENTES DE MIGRAÇÕES AMBIENTAIS” DE MARÍLIA FUNCHAL
WERNER
GRUPOS ISLÂMICOS EXTREMISTAS COMO PROPULSORES DE MIGRAÇÃO EM MASSA
Cumpre
inicialmente anotar que os muçulmanos objetivam reordenar o governo e a
sociedade de acordo com a lei islâmica (chamada de sharia). No entanto,
jihadistas[1]
entendem que a luta violenta é necessária para erradicar obstáculos para a
restauração da lei de Deus na Terra e para defender a comunidade muçulmana
(conhecida como umma) contra infiéis[2]
e apóstatas.
Assim, se
a umma é ameaçada por um agressor, eles sustentam
que a jihad não é só uma obrigação coletiva, mas também um dever individual,
que deve ser cumprido por todos os muçulmanos capazes, assim como as preces
rituais e o jejum durante o Ramadã[3].
Muitos são
os grupos fundamentalistas que espalham o terror no mundo árabe e além, dentre
eles: Al Qaeda (Afeganistão e além fronteira), Talibã (fronteira com o
Afeganistão), Frente Nusra (braço da Al Qaeda na Síria, especificamente na
segunda maior cidade da Síria, a combalida Aleppo) , Khorasam (Síria), Jemaah
Islamiyah (sudeste da Ásia), Boko Haram (Nigéria), Al-Shabab (Chifre da África)
e Estado Islâmico (leste da Síria e norte do Iraque).
Dentre
esses grupos, estão facções menores e independentes, fiéis ao Estado Islâmico
ou filiais da Al Qaeda, com aspirações locais de desestabilizar regiões
específicas e governos de determinados países.
Richard
Barret, analista contra terrorismo, ressalta que a
'ideologia' que os guia é o poder político e dinheiro. Boko Haram e Al Shabab
são grupos que exploraram localmente a desordem, a negligência e outros
elementos da má governança nas áreas em que atuam.[4]
Um
analista de perseguição da Portas Abertas Internacional, organização que visa
fortalecer a Igreja Perseguida e apoiar os cristãos locais que vivem em
territórios hostis, observa:
O cenário de haver guerra
entre o ocidente e o islã é certamente importante no jihadismo moderno. Esse
objetivo foi central para o fundador da Al-Qaeda, Osama Bin Laden, que se
concentrou em alvos ocidentais. Olhando para organizações jihadistas como o
Estado Islâmico, Boko Haram e Al-Shabaab, esta situação ainda está presente,
mas o foco é principalmente na expansão islâmica e limpeza étnica em suas respectivas
regiões. Depois de remover com êxito pessoas "indesejáveis" de seus
territórios, os jihadistas, avançam para planejar o crescimento do grupo.[5]
A seguir
serão abordados os dois grupos terroristas mais brutais que operam na região da
África, o Al-Shabab e o Boko Haram, e o grupo extremista que atua no leste da
Síria e norte do Iraque, o Estado Islâmico.
1.1.1
Al-Shabab
O grupo
extremista Al-Shabab, que em árabe significa “A Juventude”, se considera
representante da Al Qaeda na região.
De acordo com
Thomas Colley, do Centro de Estudos de Guerra, o Al Shabab quer que as forças
do Quênia e da segurança da União Africana saiam da Somália para que o grupo
possa estabelecer um Estado Islâmico.
Criado em
2006, nos escombros da empobrecida Somália, o grupo Al Shabab surgiu como um braço armado na Somália e tem
a pretensão de implantar um governo islâmico radical na região que compreende o
Chifre da África.
Eles
seguem a linha muçulmana sunita, que vem de uma interpretação rígida e
conservadora do Islã. Seus militantes se dispõem a matar seguidores de outros
infiéis e a morrer pelas causas religiosas, na crença de que, assim, se tornam
mártires, merecedores do paraíso eterno.
Os
terroristas do grupo chocaram o mundo em 2013 com o atentado no shopping Westgate,
quando mataram mais de 60 pessoas e deixaram mais de 100 feridas, em Nairóbi,
no Quênia.
Em 2015,
pelo menos 70 estudantes foram mortos por terroristas islâmicos na Universidade
de Garissa, no Quênia, quando um grupo de mascarados invadiu a universidade,
separou os muçulmanos de cristãos e passou a atirar indiscriminadamente nestes,
além de detonar artefatos explosivos.
Com a fuga
de milhões de pessoas da Somália, devido à ascensão desse grupo extremistas,
houve a formação de um complexo formado por cinco campos de refugiados. A
instabilidade é o principal motivo pelo qual o campo de refugiados Dabaab[6],
instituído desde 1991, continua existindo e recebendo novos refugiados, sendo
que cerca de 300 mil habitantes são somalis.
Cumpre
asseverar que, em tese, esses assentamentos como provisórios e temporários, com
a intenção de que sejam desmontados com o final dos conflitos que levaram a sua
abertura, propiciando, assim, o retorno de seus ocupantes aos locais de origem.
Dabaab,
situado no nordeste do Quênia, é o maior campo de refugiados do mundo. Na
prática, é uma verdadeira cidade que se desenvolve, trazendo problemas típicos
de cidades que carecem de planejamento, de abastecimento, infraestrutura e
vivem em superlotações.
A seguir,
a imagem[7]
do acampamento Dagahaley no campo de refugiados de Dabaab que mostra a dimensão
dos deslocamentos causados, entre outros motivos, pelo extremismo do grupo
islâmico Al-Shabab:
Título: Vista
aérea do acampamento Dagahlaey no campo de refugiados de Dadaab, Quênia.
Fonte: Oli
Scarff/Getty Images/Veja, 2011.
1.1.2
Boko Haram
O
verdadeiro nome do grupo é Jama’atu Ahlis Sunna hidda’awati Wal-Jihad, que significa
“Comunidade dos fiéis aos ensinamentos do profeta e à guerra santa”.
Atuando
nas paupérrimas regiões norte e nordeste da Nigéria e nos vizinhos Camarões e
Chade, os terroristas dessa milícia islâmica proíbe a população com valores
ocidentais e insiste na adoção apenas de ensinamentos extraídos do Alcorão e da
tradição oral ao muçulmano[8].
Daniel
Eyre, da Anistia Internacional, explica que o Boko Haram existe desde 2002,
começando com um movimento religioso em oposição à autoridade secular na Nigéria.
Eles conseguiram recrutar muita gente na luta contra a corrupção da elite
política nigeriana e também por condenar a marginalização do nordeste.
O grupo,
fundado em 2002 por Mohammed Yusuf, disparou seus primeiros ataques foram
contra muçulmanos, acusados por ele de aceitar um governo secular. Ocorre que,
com a morte de Yusuf em 2009, Abubakar Shekau assumiu o comando. Desde então, o
Boko Haram intensificou suas ações terroristas.
Foi em
2014 que houve a ação de maior impacto internacional, o sequestro de 250
meninas de uma escola secundária do vilarejo de Chibok, noroeste da Nigéria.
Rona
Peligal, da Human Rigths Watch, explica que eles levaram as moças para
território sob o comando do grupo com a ameaça de serem oferecidas em casamento
para os militantes ou tornadas escravas. Com exceções de algumas meninas que
tentaram escapar, algumas meninas ainda se encontram desaparecidas. Em contato
com meninas que conseguiram escapar, Rona relata que elas são forçadas a se
converter, a realizar operações militares e são estupradas. [9]
Marc
Antoine Pérouse de Montclas, do Instituto de Geopolítica da Universidade Paris
8, assevera:
“A pobreza por si só não é
capaz de explicar porque há o Boko Haram no nordeste da Nigéria. Há também
pobreza no centro-norte, no noroeste. A pobreza é o pano de fundo. Quando você
une a pobreza a elementos como corrupção, execução extrajudicial do chefe de
uma seita [Mohammed Yusuf], à prática mafiosa do governo do estado de Borno,
você encontra a situação que existe hoje no nordeste. Só a pobreza não é o
suficiente para explicar a rebelião, que se tornou em terrorista”.[10]
O grupo
extremista Boko Haram segue os mesmos princípios fundamentalistas dos
militantes do Estado Islâmico, organização à qual jurou lealdade. Assim,
meninas e mulheres tomadas como espólio de guerra podem forçadamente se
transformam em esposas.
Bernard Haykel, da Universidade
Princeton, ressalta que o Estado Islâmico aprova a escravidão de mulheres não
muçulmanas que forem capturadas, como cristãs e yazidis.
Os dados da
Organização das Nações Unidas são de que mais de 2,1 milhões de pessoas já
foram forçadas a abandonar seus lares no nordeste do país, desde o
recrudescimento das atividades do grupo Boko Haram e desde a declaração de
estado de emergência pelo governo, em maio de 2013[11].
Como
analisado, o Boko Haram (Nigéria) e o Al-Shabab (Somália e Quênia) são os dois
grupos terroristas mais brutais que operam na região da África, perpetrando a
violência massiva e o medo entre os cidadãos.
1.1.3
Estado
Islâmico
Liderado
pelo iraquiano Abu Bakr Al Baghdadi, o grupo jihadista nasceu de uma
dissidência do braço da Al Qaeda no Iraque na segunda metade dos anos 2000.
O objetivo
original do “EI” era expulsar os soldados americanos do país, matar xiitas –
considerados apóstatas e traidores – e estabelecer um governo controlado por
radicais sunitas.
A guerra
civil na Síria, iniciada em 2011 (e ainda sem perspectiva de terminar),
representou uma oportunidade para o EI crescer e se estruturar. Atuando nas
regiões de maioria sunita do Iraque e da Síria, o grupo se apoderou de muitas
cidades, campos de petróleo, armas e fortificações dos Exércitos da Síria e do
Iraque.
Em junho
de 2014, depois de um avanço surpreendente e devastador no leste da Síria e
norte do Iraque, o grupo proclamou um califado[12]
nas regiões que mantém sob seu controle.
Mesmo
sofrendo constantes ataques aéreos da coalizão militar liderada pelos Estados
Unidos e sendo combatido por Egito, Jordânia, Iraque e Síria, além de forças
curdas, o Estado Islâmico está longe de ser aniquilado. Seus métodos brutais –
que incluem decapitações, crucificações, execuções sumárias – e sua forte
companha de comunicação o alçaram à condição de grupo terrorista mais conhecido
e temido do mundo na atualidade.
Em 2014,
os extremistas do Estado Islâmico travam no norte da Síria uma intensa batalha
pela cidade de Kobani, na fronteira com a Turquia. Essa cidade tinha 400 mil
habitantes, metade fugiu para o outro lado da fronteira, eram curdos de uma
etnia milenar, que ocupavam o norte do Iraque e da Síria e o sul da Turquia e
que estavam se tornando o maior obstáculo para o projeto dos extremistas de
criar um califado na região.
Segundo o
ACNUR, em setembro de 2014 eram mais de 138 refugiados sírios deslocando-se
para a Turquia, principalmente de etnia curda fugindo das ameaças de militantes
do Estado Islâmico. [13]
[1] “A
palavra "jihad" é amplamente utilizada, em árabe, a palavra significa
"esforço" ou "luta". No islã, pode significar a luta
interna de um indivíduo contra instintos básicos, o esforço para construir uma
boa sociedade muçulmana ou uma guerra pela fé contra os infiéis”. Disponível
em:
.
Acesso em: 1 de ago de 2015.
[2] De
acordo com Bernard Haykel, professor da Universidade de Princeton, infiéis ou kuffar, em árabe, são os não muçulmanos
e também os muçulmanos que não tem as mesmas opiniões e ensinamentos.
[3]
Fonte: BBC Brasil. Disponível em: .
Acesso em: 25 ago. de 2015.
[4]
Entrevista ao programa Sem Fronteiras (GloboNews) – Grupo extremista Boko Haram
na Nigéria. Assistido em: 21 jul. de 2015.
[6] De
acordo com a Anistia Internacional, o campo de refugiados de Dadaab foi
estabelecido em 1991 e abriga mais de 350.000 refugiados e solicitantes de
asilo, a maioria da Somália, mas também da Etiópia, Sudão, República
Democrática do Congo, Eritreia, Sudão do Sul e Burundi, entre outros.
[7]
Foto: Oli Scarff/Getty Images/Veja
[8]
Nesse ponto, o Boko Haram se parece com a ideologia do Estado Islâmico que age
em parte do Iraque e da Síria com grau semelhante de violência.
[9]
Entrevista ao programa Sem Fronteiras (GloboNews) – Grupo extremista Boko Haram
na Nigéria. Assistido em: 21 jul. de 2015.
[10]
Entrevista ao programa Sem Fronteiras (GloboNews) – Grupo extremista Boko Haram
na Nigéria. Assistido em: 21 jul. de 2015.
[12]
Segundo Bernard Haykel, da Universidade de Princeton, califado é uma
instituição, uma referência ao Estado, ao governo, chefiado por alguém chamado
califa. Em árabe, califa significa sucessor. É o sucessor do profeta para
governar a comunidade muçulmana em todo o mundo.
Excelente artigo, parabéns!
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